Medicamento na hora certa
A eficácia e a toxicidade de muitos medicamentos variam de acordo com a administração em função do tempo. Existem dois tipos de ritmos biológicos: o circadiano e o não circadiano – período de aproximadamente um dia (24 horas) no qual se baseia todo o ciclo biológico do corpo humano (subdividido em ultradiano e infradiano).
O organismo utiliza a variação entre o dia e a noite para ajustar o seu relógio biológico e estar em sincronia com o meio ambiente. Esse fato é decorrente de os processos biológicos estarem influenciados pelo marcapasso circadiano dos mamíferos.
A farmacêutica responsável pela Farmácia Escola, do departamento de Farmácia da Universidade de São Paulo (USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti, explica de maneira simplista que o ritmo circadiano dura 24 horas e cada processo, como a atividade digestiva, o controle hormonal e a regulação térmica, se repete diariamente quase sempre nos mesmos horários. “Quando nos referimos ao ritmo ultradiano (e, portanto, uma subdivisão do não circadiano), as repetições acontecem em períodos inferiores a 20 horas (secreção da insulina) e no caso do infradiano, as repetições ocorrem em períodos maiores do que 28 horas (ciclo menstrual e a produção de plaquetas).”
De acordo com a especialista, apesar de todas as células apresentarem padrões de oscilação endógena que marcam ritmos de aproximadamente 24 horas, dois pequenos aglomerados de neurônios no hipotálamo constituem os marcapassos geradores da ritmicidade circadiana, ou seja, os relógios biológicos circadianos. “Considerando os ciclos naturais, aos quais somos submetidos, o organismo precisa estar preparado para o amanhecer bem como para todas as demais fases do período, as 24 horas que farão parte do dia. Por este motivo, tomar medicamentos na hora errada diminui a eficácia. A razão está fundamentada em que cada medicamento precisa ser tomado em um horário predeterminado para a obtenção do melhor efeito terapêutico e da redução nos efeitos colaterais.”
Segundo esclarece Maria Aparecida, não existe um horário único e universal para a administração de todos os medicamentos. Existem certas patologias que se manifestam mais intensamente em determinados horários, então a posologia do medicamento deverá ser adequada a esta relação estabelecida.
“O horário deve ser determinado considerando uma série de situações, por exemplo, se o usuário está tomando outros medicamentos, se é indicada a ingestão em jejum ou após alimentação, etc. As orientações constantes em bula deverão ser obedecidas para assegurar a segurança e eficácia do medicamento além das recomendações médicas.”
O coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo-SP, prof. Alexsandro Macedo Silva, ressalta que para se definir o horário certo de uso de um medicamento, é analisada a meia-vida do fármaco. “O fármaco permanece por um período no organismo. Quando se inicia a excreção, a concentração plasmática diminui, necessitando-se tomar mais uma dose. Por exemplo, se o fármaco tem uma meia-vida de seis horas, o medicamento deve ser tomado de seis em seis horas, para manter a concentração plasmática.”
Silva afirma que a indústria realiza ensaios clínicos para estudar e determinar a farmacocinética dos fármacos. “Os livros de farmacologia são boas fontes de informação para se determinar a posologia também. Os artigos científicos que tratam de evidências clínicas ajudam a escolher e determinar a posologia, de forma mais atualizada.”
O professor avalia que o ato de não tomar o medicamento no horário estabelecido pode ser classificado como uma não adesão ao tratamento, o que compromete o efeito farmacológico. Segundo ele, problemas relacionados ao medicamento podem aparecer e mascarar ou piorar os sinais e sintomas da doença, quando o objetivo terapêutico não é atingido. “A melhor forma de garantir a adesão ao tratamento é organizar os horários para que o paciente administre o medicamento durante o dia, enquanto estiver acordado. Deve-se evitar incluir horários no período noturno. Às vezes é melhor acordar cedo para tomar o medicamento do que acordar de madrugada, interrompendo o sono.”
Reajuste necessário
Muitas vezes, os pacientes fazem uso de mais de um medicamento ao mesmo tempo; nestes casos, os horários devem ser ajustados. A utilização de um ou mais produto requer um estudo detalhado sobre as possíveis interações que possam ocorrer, considerando também a periodicidade com que devem ser tomados e o conforto do indivíduo.
A professora da USP recomenda que os profissionais de farmácias e drogarias elaborem planilhas individualizadas com orientações de fácil entendimento para que o indivíduo faça um regime posológico correto dos medicamentos que estão em uso. “Para que isso ocorra de maneira adequada é necessária uma interlocução bem dirigida ao usuário ou ao seu cuidador de tal modo que o plano de regime posológico estabelecido esteja adequado às necessidades de cada medicamento, a fim de que sejam eficazes e seguros”, explica.
Alexsandro Macedo Silva ressalta que, se não existem interações medicamentosas entre os fármacos administrados, pode-se tomar mais de um medicamento no mesmo horário. Caso contrário, devem-se organizar os horários para minimizar ou evitar a interação.
Caso um paciente venha a tomar determinado medicamento em horário errado, alguns fatores devem ser levados em consideração para se determinar novos procedimentos, como quanto tempo se passou ou se adiantou a dose, tipo de medicamento administrado, frequência de utilização e classe terapêutica. “Cada situação precisa ser avaliada separadamente. Ele deverá solicitar a orientação do profissional da saúde já com todas estas informações para que subsidiem a orientação no procedimento a ser tomado”, diz Maria Aparecida.
O professor do Centro Universitário São Camilo acrescenta: “Em casos de erro, dependendo do fármaco, o horário deverá ser reajustado, ou o paciente poderá pular o horário e tomá-lo no próximo, corretamente. Na dúvida, o farmacêutico deverá ser consultado.”
Ele assegura, em verdade, que a fisiologia humana deve ser respeitada para se determinar o melhor horário de uso do medicamento. “Muitas vezes, os horários podem ser diferentes para cada indivíduo. Por exemplo, devem-se tomar estatinas à noite, pois estudos comprovam que o organismo produz colesterol quando a absorção intestinal de gordura é baixa. É neste momento que a estatina terá uma maior efetividade.” Ele revela ainda que a liberação de neurotransmissores e hormônios, além de alterações no organismo, está relacionada à eficácia dos medicamentos, por isso, deve-se levar em consideração a fisiologia humana para melhorar a efetividade dos fármacos. Ou até garantir o conforto do paciente. “Por exemplo, deve-se evitar a administração de diuréticos à noite, pois o indivíduo acordará várias vezes para urinar. O melhor horário seria pela manhã.”
Silva adianta que o uso de medicamentos contra hipertensão tem mais efetividade se administrados pela manhã, quando a pressão é mais alta que à noite, em estado fisiológico normal. “O medicamento hipoglicemiante deve ser tomado em horários baseados nas refeições do paciente.”
Regras rígidas
Com os antibióticos, a sequência correta e ininterrupta de horários deve ser seguida à risca. O regime posológico destes medicamentos está relacionado à manutenção do fármaco na corrente sistêmica para que os microrganismos não desenvolvam resistência.
“Se a concentração plasmática não for mantida, não será possível matar as bactérias. A infecção continuará e as bactérias poderão desenvolver resistência, diminuindo a eficácia do antibiótico”, alerta Silva.
Maria Aparecida adverte que não dá para generalizar e estabelecer horários fixos para todos os medicamentos. O paciente poderá tomar um medicamento de ação prolongada antes de dormir e pela manhã a pressão estará em níveis aceitáveis. “Entretanto, não sendo de ação prolongada, a administração não alcançará o objetivo proposto se tomado com tanta antecedência. Em relação aos medicamentos para a febre, uma avaliação a respeito da doença que está se manifestando se faz necessária, para o estabelecimento de uma posologia adequada.”
De acordo com a professora, os horários devem ser estudados para o estabelecimento de uma farmacoterapia adequada considerando os inúmeros fatores interferentes. “Cada pessoa deve ser tratada individualmente com base no universo de características que apresenta naquele momento. Esta é uma das razões para que a prática da Atenção Farmacêutica seja efetivamente estabelecida. O acompanhamento farmacoterapêutico do indivíduo permite ao profissional da saúde avaliar o desempenho dos medicamentos administrados para a proposição de esquemas posológicos que apresentem melhores respostas.”
Fonte: Guia da Farmácia